2- Cultura de Massa e Anomia na Umbanda Esotérica

 

A Cultura de Massa e a Anomia na Umbanda Esotérica 

 

 O site Umbanda do Brasil constitui uma valiosa oportunidade de virtualizar as principais temáticas da obra de Matta e Silva. E isso possui grande significância na medida em que, em função da dificuldade crescente de se achar as obras originais editadas pela extinta Freitas Bastos, somada a questão das edições mais recentes apresentarem "retificações" (???) sem significado aparente que alteram conceitos originais importantes, o grande público tem a oportunidade de acessar esses dados com fidelidade, a qual é a proposta máxima do site.

 

Enfatizamos mais uma vez sobre o atual panorama da Umbanda Esotérica, com base no conceito de cultura de cassa, e todo o processo de perda de valores que este fato social vem desencadeando, e que dentre outros, contribuem para descaracterizar e distorcer profundamente todo o legado de uma vida inteira devotada a Umbanda, como foi o caso de W. W. da Matta e Silva (Yapacani). 

 

Segundo Lakatos e Marconi (2014), cultura de massa é a divulgação, sem que se possa contestá-las ou debatê-las de mensagens pré-fabricadas, cuja mediocridade prevê sua aceitação por pessoas de qualquer nível de conhecimento e idade mental, nivelando "por baixo" as informações, uniformizando o uniforme e sintetizando os lugares comuns, com a finalidade de tornar a cultura um conjunto semelhante, constante e não questionado.

 

Acreditamos que em parte, a cultura de massa se apoie no fenômeno do Pensamento Grupal, que em Psicologia Social é definido como; um fenômeno em que a manutenção da coesão e da solidariedade do grupo é mais importante do que o exame dos fatos de maneira realista (Aronson, 2002).

 

Observamos, que no campo religioso, em muitos casos, o pensamento grupal em sua contraparte negativa, tem sido um fator de alienação que se contrapõe ao processo de conscientização inerente à real iniciação espiritual. Esse tipo de situação coloca muitos em um quadro de "suspensão" em relação a realidade, a qual inibe profundamente o contato do indivíduo com a sua consciência espiritual.

 

Esta situação traz em concomitância, um quadro anímico altamente propenso ao misticismo exacerbado e via de regra, subserviente aos eternos lobos com pele de ovelha. Este tem sido um padrão recorrente em vários círculos religiosos e na Umbanda não é diferente. Pois que, ter alguém para pensar por nós, pode ser o melhor tipo de muleta mental para suprir nossas deficiências, é prático e confere substancial economia cognitiva e conforto psicológico.

 

Podemos acrescentar a isso que a tal "solidariedade" anteriormente mencionada  na definição de pensamento grupal, deve ser por vezes colocada entre aspas, na medida em que ela ao contrário da sua face altruística, pode ser estabelecida dentro de uma relação de barganha, na qual o que se objetiva é o poder, tanto pelo lado do líder quanto pelo lado do liderado.

 

Este modus operandi descrito, vem sistematicamente fomentando determinadas afirmativas que procuram insistentemente "validar" com uma base argumentativa precária e duvidosa, às obras de Matta e Silva como  etnocentristas, como se elas patenteassem ou procurassem estabelecer uma atitude espiritual superior de sua parte em relação as outras entidades religiosas, particularmente, as ditas como Religiões Afro-Brasileiras, o que de fato não é de modo algum comprovado. 

 

Eis a questão: O que podemos constatar em relação a essas afirmações feitas sobre Matta e Silva?

 

De súbito, constata-se marcante ausência de normas ou critérios verdadeiros, quando se afirma que Matta e Silva era elitista e encaminhou  a sua obra literária dentro de uma postura etnocentrista. Isto, não foi suficientemente argumentado de forma clara. Onde estão os elementos sociológicos que servem como referência tangível para de fato comprovar essa tese? Estamos aguardando...

 

Dizem que o problema da ciência em geral não é o de desenvolver teorias, mas o de testá-las.

 

Teorias e mais teorias  post mortem foram e continuam sendo produzidas sobre a figura de Matta e Silva, e muitas, por mais rebuscadas que sejam, são vazias e nada provam, pois pecam por não levar na devida conta que, a atmosfera da época e o clima do momento vivenciado por Matta e Silva proporcionaram obviamente, profundas implicações sobre suas impressões vividas em sua intimidade em relação a Umbanda Esotérica e no modo como ele traduzia essa experiência para o mundo. E somente quem viveu este momento é que pode nos proporcionar muito mais do que teorias, os imprescindíveis relatos (não apenas de um só indivíduo, mas de vários...) baseados no conjunto de elementos formados pela ocasião social vivenciada, que seguramente, ajudam a configurar  o contexto astral que se desdobrou no plano social dominante e atuante na realidade daquela época.

 

De fato, o site Umbanda do Brasil possui o seu leque de contatos com pessoas que testemunharam a Umbanda Esotérica praticada por Matta e Silva na antiga T.U.O de Itacuruça, como por exemplo Mario Tomar (que foi Pai-Pequeno de Matta e Silva), Ivan Horácio Costa (que é o iniciado mais antigo por Matta e Silva ainda vivo), Marlene Leo Gouvêa (que foi médium atuante na antiga T.U.O e consagrada por Matta e Siva em Itacuruça), Célia Maria Gouvêa (foi médium atuante na T.U.O e batizada por Matta e Silva), além de muitos outros irmão de raiz, não menos importantes, cujos relatos e impressões que foram colhidos, são significativamente homogêneos quando se fala do cerne espiritual contido em todo este cenário que foi configurado em Itacuruçá, o qual ajudou a estruturar o contexto astral e social subjacente ao comportamento e a forma de Matta e Silva de encarar a Umbanda.  

 

Paremos então um pouco, para refletir sobre a questão da anomia, conceituada no campo da sociologia como; a ausência de normas, tanto em relação a sociedade quanto a pessoas, significando segundo Lakatos (2014): "um estado de desorganização social ou pessoal ocasionado pela ausência ou aparente ausência de normas".   Lembrando, todavia, que no neste caso discutido, a ausência de normas não é de forma alguma aparente. 

 

Transportemos, agora, a imagem que o conceito sociológico da anomia evoca, para o campo da iniciação na Umbanda Esotérica postulado e preconizado por Matta e Silva, contextualizando-o desse modo, com todo o seu imenso esforço e dedicação dispendidos por praticamente a maior parte da sua vida, com o objetivo primordial de:

  • Apresentar  os reais vetores ou linhas mestras  que formam as bases fundamentais da Umbanda, sobretudo, por intermédio de sua obra literária.  

 

Ora, seguramente afirmamos que quem bem conheceu Matta e Silva concordará que:

  • Não houve solução de continuidade espiritual no contexto da real iniciação na Lei de Umbanda, entre Matta e Silva e sua obra literária, pois este elo, foi um dos elementos de vital importância na própria razão de ser da sua missão, assentada no Congá da antiga T.U.O em Itacuruçá, sendo por conseguinte, esses dois elementos inexoravelmente indivisíveis, pois sempre caminharam em ´´unidade orgânica´´.

 

Justo lembrar neste momento, que nosso discurso não é tão simplesmente uma tese de fundo opiniático que busca a todo custo se estabelecer por intermédio de premissas puramente teóricas, a fim de atingir, mesmo que em um plano superficial de entendimento, o convencimento ou a mera aprovação pública.

 

Antes de tudo, estamos nos pautando por relatos que foram colhidos por diversas pessoas que pisaram nas areias da antiga T.U.O, que por sua vez, relataram  verdades acerca do papel de Matta e Silva junto às suas obras, e que aqui repassamos. Verdades essas, que  seguramente, estão arquivadas nos registros astrais da Corrente Astral de Umbanda. 

 

Com esta imagem supracitada viva em mente, não é difícil ponderar que, infelizmente, o que estamos presenciando até então, é a ausência de normas e critérios lógicos, coerentes e verdadeiramente fundamentados segundo a perspectiva Relígio-Científica da Ancestralidade da Umbanda revelada por Matta e Silva, na abordagem e interpretação de suas obras por parte de grupos isolados, que tentam estabelecer uma política de dominação do saber através do aparelhamento sociopolítico e educacional no que se refere a Umbanda.

 

Este cenário descrito, é análogo aquele no qual se constata um tumor maligno com metástase largamente disseminada pelo organismo, onde se observam um conjunto de sinais e sintomas particulares, em função de uma  determinada causa, e que juntos, indicam uma doença ou transtorno. Do mesmo modo, possuímos um verdadeiro quadro de enfermidade espiritual que se faz presente e atuante no movimento umbandista como um todo, o qual se traduz, por seu lado, em um amplo cenário carregado por sérios quadros de intercorrências e instabilidade espiritual, expressos em sinais característicos que estabelecem um certo padrão que pode ser reconhecido em grupos ou "círculos iniciáticos", que imbuídos de um sentimento de superioridade, buscam destacar-se como o carro-chefe exclusivo no movimento umbandista, via de regra, trombeteando aos quatros cantos tal prerrogativa, cujo objetivo único, é a consumação da supremacia de suas concepções e perspectivas, as quais indubitavelmente, estão alinhadas com estratégias de expansão financeira de suas organizações.

 

Portanto, no que diz respeito ao quadro de sinais que podem ser observados em um grupo que busca elitizar-se com um encaminhamento subjacente de dominação agressiva no seu campo de atuação, pode-se perceber de forma mais evidente, os seguintes elementos que antecedem o pensamento grupal, o qual propicia o seu surgimento e desenvolvimento dentro do grupo:

 

 

Procedimentos medíocres de tomada de decisão: Não há métodos padrões para levar em conta pontos de vista alternativos. Este é o encaminhamento do senso comum, muito presente nas diversas organizações religiosas, lembremo-nos sobre o conceito de anomia novamente.

 

 

O grupo é altamente coeso: o grupo é valorizado e atraente, e as pessoas querem muito pertencer a ele.

 

Isolamento do grupo: o grupo está isolado, protegido do conhecimento de pontos de vista alternativos.

 

Líder diretivo: o líder controla as discussões e diz quais são seus desejos.

 

Estresse alto: os membros percebem ameaças ao grupo.

Quando essas precondições do pensamento grupal são atendidas, poderão surgir vários sintomas, entre eles:

 

Ilusão de invulnerabilidade: o grupo sente que é invencível e que não pode errar.

 

Crença na correção moral do grupo: ´´Deus está conosco´´

 

Visão estereotipada dos que estão de fora do grupo (out-group): os lados contrários são vistos de maneira simplista, estereotipada.

 

Autocensura: as pessoas decidem não manifestar opiniões contrárias para "não balançar a canoa".

 

Pressão direta sobre os dissidentes para que se conformem: se as pessoas manifestam opiniões contrárias, são pressionadas pelos outros a conformar-se à maioria.

 

Ilusão de unanimidade: é criada a ilusão de que todos estão de acordo, não convidando, por exemplo, pessoas que se sabe discordam do grupo.

 

Guardas mentais: os membros do grupo protegem o líder contra pontos de vista contrários ("puxa-sacos")

 

Acreditamos que a compreensão da dinâmica dos grupos sociais proporcionada pela Psicologia Social, juntamente com o estudo das Ciências Sociais com enfoque no campo religioso, integrados por seu turno, com a vivência espiritual do indivíduo, possibilitam uma consciência espiritual ampliada sobre a dinâmica dos movimentos religiosos e seu impacto na sociedade, bem como na sua contraparte astral também -- isto é, relativo ao resgate cármico de coletividades. Esse estudo multidisciplinar  e multidimensional, é especialmente válido para os grupos religiosos que tendem a ter o senso lógico ofuscado pelo fervor afetivo.

 

E na Umbanda obviamente, isso também é uma realidade, mormente, quando verifica-se o encaminhamento de implementar uma verdadeira política de dominação através do aparelhamento sócio-educacional, como se a Corrente Astral de Umbanda em seu movimento espiritual de fato e de direito, quer seja enquanto movimento que se processa no âmbito da coletividade, quer seja em sua repercussão na intimidade do individuo, pudesse ser arbitrariamente reduzida (vide Cultura de Massa), patenteada, institucionalizada e diretamente controlada por uma organização qualquer sob a égide de um único indivíduo encarnado. 

 

Que possamos sempre que possível refletir sobre a ponderação de José Saramago, que diz que ´´a tentativa de convencer o outro reflete a intenção de coloniza-lo´´, tendo a certeza de que esta, seguramente, não é a proposta da Umbanda Esotérica.

 

Referências:

ARONSON, Eliot. Psicologia Social. Rio de Janeiro: LTC, 2013

LAKATOS, Eva Maria. Sociologia Geral. São Paulo: Atlas, 2014.

 

Santa Paz

 

Tarso Bastos